Além da tensão entre membros, que caracterizou as recém-terminadas reuniões magnas dos partidos Frelimo e Renamo, estes encontros dos principais partidos políticos moçambicanos também foram caracterizados por tratamento humilhante e até violações contra a liberdade de imprensa, incluindo flagrantes agressões contra jornalistas.
O Comité Central extraordinário do partido Frelimo, que teve lugar entre os dias 3 e 5 de Maio, no Município da Matola, província de Maputo, e o Congresso da Renamo, decorrido entre os dias 15 e 16 do mês em curso, em Alto Molócue, na província da Zambézia, foram dos eventos mais difíceis para a cobertura pela classe jornalística. Nos dois eventos, os jornalistas, que foram devidamente convidados para as reuniões (ainda que não fossem, tratava-se de reuniões de interesse público e, por isso, objecto de cobertura jornalística) não só foram mantidos à distância das salas dos eventos, como também foram colocados fora dos próprios recintos onde decorriam os eventos.
Além da falta de condições para acolher os jornalistas, em alguns casos, os locais onde os profissionais permaneciam não ofereciam as mínimas condições de trabalho e nem mesmo de segurança. No Comité Central da Frelimo, os jornalistas foram mantidos, durante praticamente os três dias da reunião, do lado de fora do recinto da escola, concretamente no longo espaço que funciona como parque de veículos e, habitualmente, como local para exposições e feiras comerciais.
Enquanto as televisões tiveram de montar seus estúdios móveis neste recinto, diversos jornalistas de vários outros órgãos de comunicação praticamente aguardavam pela reunião ocupando cadeiras de pequenos vendedores que praticavam suas actividades no local, uma vez que o partido Frelimo não criou as mínimas condições para ficarem os jornalistas que ele próprio, o partido, convidou.
Tratamento humilhante tiveram, também, os jornalistas destacados a cobrir o Congresso da Renamo, que foram mantidos praticamente na rua, longe do recinto do evento e expostos a todo o tipo de riscos. Mas não foram só as limitações no acesso aos locais dos eventos com que se defrontaram os jornalistas destacados a cobrir as recém terminadas reuniões dos partidos Frelimo e Renamo.
Os profissionais de comunicação social foram, também, vítimas de agressões protagonizadas por agentes de segurança ao serviço dos dois partidos. No Congresso da Renamo, vários repórteres foram impedidos de fazer o seu trabalho. Pelo menos dois repórteres, Jorge Marcos, correspondente da STV, na Zambézia, e seu respectivo operador de camara, Verson Paulo, foram agredidos por seguranças da Renamo, alguns dos quais empunhavam paus. Imagens a que o MISA teve acesso mostram os dois repórteres a serem escorraçados e, finalmente, agredidos pelos seguranças. Ao MISA, Jorge Marcos fez saber que, em resultado das agressões, sofreu ferimentos na mão direita, além de ter contraído uma lesão no joelho por conta do esforço que teve de fazer em defesa perante as agressões do seu colega, bem como para proteger o material de trabalho.
No entanto, além de ferimentos, as agressões resultaram na danificação do material de trabalho da STV. No caso, foi a câmara de filmagem que sofreu. A equipa teve de recorrer a arranjos para continuar a fazer o seu trabalho. Além de violência física, os jornalistas convidados para a reunião da Renamo também sofreram agressões verbais. “Sai para fora!”, ouve-se numa das passagens dos vídeos que mostram jornalistas a serem escorraçados. “Quem vos autorizou a entrarem aqui para cobrir”, ouve-se, entre outros impropérios.
“Foi um cenário terrível”, resume a situação Jorge Marcos, uma das vítimas, que não tem dúvidas de que “foi tratamento desprezível para a classe”. Repórteres no terreno assinalaram que a intolerância dos seguranças da Renamo foi particularmente notória antes da eleição de Ossufo Momade, quando, nos bastidores do evento, a imprensa era tida como estando ao serviço de uma agenda contra a direcção de Ossufo Momade.
Enquanto isso, no Comité Central extraordinário do partido Frelimo, além de terem permanecido por longas horas fora do recinto da escola, sem qualquer comunicação oficial sobre o decurso das actividades, os jornalistas viram pelo menos um dos seus colegas a ser violentado pela segurança escalada para o local. Trata-se do repórter Ernesto Martinho, da Tv Sucesso, que viu seu material de trabalho, no caso microfone, a ser arrancado em pleno serviço, pela segurança ao serviço do partido Frelimo.
Posicionamento
O MISA Moçambique condena, nos termos mais veementes, este tratamento humilhante e gratuito oferecido a jornalistas pela Frelimo e Renamo. O MISA não entende como é que, em pleno século XXI, ainda há partidos políticos que se dão ao luxo de seviciar jornalistas e dificultar o trabalho o seu trabalho. Entretanto, independentemente das suas tendências autoritárias, a Frelimo e a Renamo não podem convidar jornalistas aos seus eventos, para depois tratá-los como se de marginais se tratassem.
Não é aceitável que os partidos convoquem profissionais de comunicação social para depois colocá-los nas ruas e nas barracas à volta das suas salas de evento climatizadas, enquanto os jornalistas estão expostos ao sol e a cacimba e a todo o tipo de riscos, à espera por uma hora incerta para o fim das longas reuniões partidárias.
Se os partidos tiverem medo que os jornalistas exponham as crises por que passam e que marcam as suas reuniões magnas, que deixem claro que eles são contra a liberdade de imprensa, realizando os seus eventos sem cobertura jornalística. O que não é razoável é convocarem jornalistas para depois os humilharem e até os seviciarem. O esforço de quererem ter publicidade sobre os seus eventos e, ao mesmo tempo, querem ocultar as desavenças internas nos partidos, não pode ser feito à custa da liberdade de imprensa.
Estes acontecimentos são trágicos não apenas por constituírem atentados contra a liberdade de imprensa, mas, também, pela qualidade dos seus protagonistas: a Frelimo e a Renamo. Para o MISA, é inaceitável que os partidos que aprovaram o quadro legal e constitucional que regula o exercício da liberdade de imprensa, enquanto direitos fundamentais, sejam os mesmos a violarem a legislação da forma mais flagrante possível.
De igual modo, é inaceitável que um partido no poder e outro que se apresenta como alternativa, agridam jornalistas e lhes ofereçam um tratamento humilhante. Enquanto a Frelimo está proibida de ser agressora dos media pelas responsabilidades que assume, não se entende como é que a Renamo quer ser alternativa repetindo as mesmas práticas erradas cometidas pelo partido no poder.
Maputo, 20 de Maio de 2024